DESCOLONIZANDO O SABER: AQUALTUNE - PRINCESA AFRICANA QUE LIDEROU A RESISTÊNCIA EM PALMARES
- Amanda Tavares Borges

- 2 de ago.
- 3 min de leitura

Quando o assunto é resistência negra no Brasil, "Zumbi" é referência: lembrado pelo comando do maior refúgio de negros escravizados da América Latina, o "Quilombo dos Palmares" é um símbolo de resistência contra a opressão colonial.
Mas poucos conhecem as guerreiras que exerceram liderança no Quilombo dos Palmares. Entre suas lideranças, brilha a figura de "Aqualtune", uma princesa do Reino do Congo que transformou sua experiência de dor em uma luta incansável pela liberdade. Esta narrativa histórica resgata sua trajetória e reflete sobre como seu legado inspira o combate ao racismo estrutural na atualidade.
A Jornada de Aqualtune
Aqualtune, filha de um rei do Congo, era uma estrategista militar que liderou milhares de guerreiros na Batalha de Mbwuila ou Ambuíla (1665) contra forças portuguesas. Consta que nasceu no reino do Congo e teria liderado guerreiros na Batalha de Mbwuila (ou Ambuíla), travada contra as forças de Portugal.
Derrotada, foi capturada, escravizada e levada ao Brasil, onde enfrentou violências indizíveis em uma fazenda em Porto Calvo, Alagoas. Mesmo grávida, Aqualtune ouviu falar de Palmares, um refúgio de africanos livres conhecido como Angola Janga (“Pequena Angola”). Com coragem inabalável, liderou uma fuga com cerca de 200 pessoas, atravessando matas rumo ao quilombo.
Em Palmares, Aqualtune assumiu a liderança de um mocambo, estruturando a comunidade com práticas africanas de organização, como a valorização da coletividade e a preservação de tradições espirituais. Ela deu à luz Ganga Zumba, Ganga Zona e Sabina, esta última mãe de Zumbi dos Palmares, consolidando uma linhagem de resistência. Sua morte, possivelmente em 1677 durante um ataque colonial, é incerta, mas a tradição oral africana a eterniza como uma guerreira imortal: seu “umzimba” (corpo físico) se foi, mas seu “isithunzi” (legado, força, espírito ancestral) permanece, orientando e conduzindo os quilombolas de Palmares – como Ganga Zumba e Zumbi.
O Legado de Aqualtune
Aqualtune não foi apenas uma líder; ela personifica a resistência feminina negra contra a colonialidade. Sua capacidade de transformar a violência da escravidão em ação política desafia a narrativa eurocêntrica que reduz Palmares a um “bando de fugitivos”. Como matriarca de uma “república” que rivalizava com Portugal em tamanho e organização, ela demonstrou que o saber africano era soberano e estruturado.
Hoje, Aqualtune é um ícone do feminismo negro, celebrada em cordéis de Jarid Arraes, enredos de carnaval e movimentos quilombolas que lutam por reparação histórica. Sua história, resgatada pelo Movimento Negro desde os anos 1970, evidencia a necessidade de descolonizar o conhecimento, dando visibilidade às vozes apagadas pela historiografia oficial.
Reflexões para o Presente
O conhecimento humano foi, durante séculos, moldado por perspectivas eurocêntricas. Entretanto, saberes tradicionais, populares, africanos e afro-diaspóricos resistem e oferecem alternativas potentes para repensarmos a construção do saber acadêmico de forma plural e ética.
Assim, o legado de Aqualtune inspira a luta contra o racismo estrutural em múltiplas frentes. Primeiro, sua liderança nos lembra que mulheres negras sempre foram protagonistas de transformações sociais, desafiando estereótipos que as confinam à subalternidade. Segundo, sua conexão com práticas africanas, como o culto aos orixás, reforça a importância de preservar identidades culturais como ato de resistência. Por fim, sua coragem em construir uma comunidade livre nos convoca a criar espaços de equidade, onde saberes tradicionais e afro-diaspóricos sejam valorizados.
Em um Brasil onde o racismo ainda molda desigualdades, Aqualtune nos ensina que a liberdade é uma conquista coletiva. Seu espírito guerreiro ecoa em cada ato de resistência, seja nas ruas, nas universidades ou nas redes sociais, onde hashtags como #VidasNegrasImportam amplificam a luta por justiça.
Aqualtune é mais que uma figura histórica; é uma ancestral que ilumina o caminho para um futuro descolonizado. Sua história nos desafia a questionar narrativas opressoras e a semear saberes plurais.
Convidamos você, leitora, leitor, a levar adiante seu legado: como podemos, hoje, resistir e construir um mundo mais justo?
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Referências:
ARRAES, Jarid. Aqualtune: princesa no Congo, mas escrava no Brasil. Geledés – Instituto da Mulher Negra, 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/aqualtune-princesa-no-congo-mas-escrava-no-brasil/. Acesso em: 31 jul. 2025.
CARDOSO, Mara Lívia Farias. História e ficção em Aqualtune: um sonho chamado liberdade, de Sara Messias. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro. Acesso em: 31 jul. 2025.
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Aqualtune, uma das lideranças pioneiras de Palmares! Brasília: Ministério da Cultura, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/palmares/pt-br/assuntos/noticias/aqualtune-uma-das-liderancas-pioneiras-de-palmares-1. Acesso em: 31 jul. 2025.
RODRIGUES, Adriana Cristina Aguiar et al. (org.). Literaturas africanas e literatura afro-brasileira: práticas leitoras para a sala de aula. Rio Branco: Nepan Editora; Edufac, 2023. ISBN: 978-65-89135-95-1 (Nepan Editora); 978-65-88975-69-5 (Edufac).




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