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DO AROMA DO DENDÊ AO VENTO DO MAR: SABERES E SENTIDOS DAS COMUNIDADES LOCAIS


"Imagem gerada por IA, com base em descrição fornecida pela autor."
"Imagem gerada por IA, com base em descrição fornecida pela autor."

Em Salvador, basta fechar os olhos numa manhã de Lavagem do Bonfim ou numa tarde de Festa de Iemanjá para ser transportado a séculos de história. O cheiro verde e fresco da água de cheiro, preparado pelas baianas com folhas e flores aromáticas, mistura-se ao sal do mar e ao perfume de lavanda que acompanha as oferendas. Essas fragrâncias não são apenas agradáveis: são narrativas sensoriais de resistência, fé e identidade.

 Pesquisas recentes mostram que o olfato, muitas vezes esquecido nas análises culturais, é um canal direto para a memória e a emoção. Ao contrário de outros sentidos, os estímulos olfativos alcançam o sistema límbico sem mediações complexas, ativando lembranças e afetos com intensidade singular. Esse mecanismo faz com que certos aromas se tornem parte estruturante da identidade social: eles não apenas evocam memórias individuais, mas codificam referências coletivas, como se fossem “variáveis de estado” de um sistema cultural dinâmico.

O aroma do azeite de dendê, presente tanto na comida de rua quanto nos rituais do Candomblé, é um exemplo vivo disso. Introduzido por povos iorubás durante o período colonial, o dendê não é apenas ingrediente: é elo entre continentes, guardião de saberes culinários, espirituais e agroecológicos. Produzido artesanalmente na Costa do Dendê, ele sustenta um ecossistema cultural e ambiental que enfrenta, hoje, ameaças de industrialização e perda de conhecimento tradicional.

Assim como em engenharia de sistemas, onde um conjunto de sinais interligados mantém a estabilidade e a função de um processo, nas comunidades locais os aromas funcionam como sinais sensoriais que alimentam laços sociais e reforçam o “controle” simbólico sobre a própria história. Se esses sinais são interrompidos ou substituídos, o sistema cultural entra em risco de perda de coerência e de identidade, um “desbalanço” comparável ao que ocorre quando um sistema físico perde seus parâmetros de referência.

O estudo dessas práticas, que unem técnicas ancestrais, biodiversidade e expressões simbólicas, revela que preservar as tradições das comunidades locais não é só proteger receitas ou festas, mas também manter ativos os canais sensoriais que sustentam a memória coletiva. Ao reconhecer o valor dessas paisagens olfativas e gustativas, reforçamos que o patrimônio cultural é vivo, e que seu futuro depende de ações que unam comunidades, ciência e políticas públicas.

Assim, o aroma que emana de um tabuleiro de acarajé ou de uma oferenda à beira-mar é mais que memória: é um convite a imaginar formas de desenvolvimento onde cultura, natureza e tecnologia caminham lado a lado, com as pessoas no centro das decisões.

 
 
 

1 comentário


Ildeci Bessa
Ildeci Bessa
16 de ago.

Perfeito 👏🏼👏🏼👏🏼

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