DO AROMA DO DENDÊ AO VENTO DO MAR: SABERES E SENTIDOS DAS COMUNIDADES LOCAIS
- Idelfonso Nogueira

- 13 de ago.
- 2 min de leitura

Em Salvador, basta fechar os olhos numa manhã de Lavagem do Bonfim ou numa tarde de Festa de Iemanjá para ser transportado a séculos de história. O cheiro verde e fresco da água de cheiro, preparado pelas baianas com folhas e flores aromáticas, mistura-se ao sal do mar e ao perfume de lavanda que acompanha as oferendas. Essas fragrâncias não são apenas agradáveis: são narrativas sensoriais de resistência, fé e identidade.
Pesquisas recentes mostram que o olfato, muitas vezes esquecido nas análises culturais, é um canal direto para a memória e a emoção. Ao contrário de outros sentidos, os estímulos olfativos alcançam o sistema límbico sem mediações complexas, ativando lembranças e afetos com intensidade singular. Esse mecanismo faz com que certos aromas se tornem parte estruturante da identidade social: eles não apenas evocam memórias individuais, mas codificam referências coletivas, como se fossem “variáveis de estado” de um sistema cultural dinâmico.
O aroma do azeite de dendê, presente tanto na comida de rua quanto nos rituais do Candomblé, é um exemplo vivo disso. Introduzido por povos iorubás durante o período colonial, o dendê não é apenas ingrediente: é elo entre continentes, guardião de saberes culinários, espirituais e agroecológicos. Produzido artesanalmente na Costa do Dendê, ele sustenta um ecossistema cultural e ambiental que enfrenta, hoje, ameaças de industrialização e perda de conhecimento tradicional.
Assim como em engenharia de sistemas, onde um conjunto de sinais interligados mantém a estabilidade e a função de um processo, nas comunidades locais os aromas funcionam como sinais sensoriais que alimentam laços sociais e reforçam o “controle” simbólico sobre a própria história. Se esses sinais são interrompidos ou substituídos, o sistema cultural entra em risco de perda de coerência e de identidade, um “desbalanço” comparável ao que ocorre quando um sistema físico perde seus parâmetros de referência.
O estudo dessas práticas, que unem técnicas ancestrais, biodiversidade e expressões simbólicas, revela que preservar as tradições das comunidades locais não é só proteger receitas ou festas, mas também manter ativos os canais sensoriais que sustentam a memória coletiva. Ao reconhecer o valor dessas paisagens olfativas e gustativas, reforçamos que o patrimônio cultural é vivo, e que seu futuro depende de ações que unam comunidades, ciência e políticas públicas.
Assim, o aroma que emana de um tabuleiro de acarajé ou de uma oferenda à beira-mar é mais que memória: é um convite a imaginar formas de desenvolvimento onde cultura, natureza e tecnologia caminham lado a lado, com as pessoas no centro das decisões.




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