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O ENSINAMENTO SE DÁ DE BOCA PERFUMADA A OUVIDOS DÓCEIS E LIMPOS


imagem gerada por IA
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Nas sociedades tradicionais africanas a transmissão de conhecimentos se deu, ao longo de milênios, através de uma longa cadeia de tradição oral - de boca perfumada a ouvidos dóceis e limpos (Hampate Bâ, 1980). Nessas sociedades a palavra, reconhecidamente dotada de força e poder para criar e destruir, estabelece relação com o homem que a profere, de modo que a mentira vicia o sangue do mentiroso e o testemunho, seja escrito ou oral, no fim não é mais do que testemunho humano e vale o que vale o homem.

O universo, imensa rede de participação, inclui seres humanos, seres naturais e espirituais: De Deus a um grão de areia o universo africano é sem costura: basta tocar levemente qualquer ponto dessa teia para que o todo vibre. Nas sociedades tradicionais africanas os ancestrais e os mais velhos são reverenciados, pois se reconhece a impossibilidade do presente e do futuro não fosse sua vida e seu esforço. O coletivo familiar inclui os já-idos. Ao grupo é atribuída importância fundamental: somos porque sou e por sermos sou e o enunciar de todo conhecimento supõe sua construção coletiva ao longo das gerações:


O que digo não é da minha boca.

É da boca de A que o deu a B,

que o deu a C, que o deu a D,

que o deu a E, que o deu a mim.

Que esteja melhor em minha boca

do que na boca dos que me antecederam.

E que esteja ainda melhor

na boca dos que me sucederem!


O compromisso com o passado não exclui o compromisso com o próprio tempo e com o futuro. Cada adulto reconhece em si próprio um educador das gerações seguintes. Cada qual, elo da longa cadeia geracional iniciada com o primeiro homem, compromete-se com o presente e, por se comprometer com o passado, pode dirigir o olhar para o futuro e participar responsavelmente da construção social, necessariamente coletiva.

Saberes tradicionais africanos, transmitidos basicamente por meio da oralidade, servem-se de diversos gêneros da literatura oral, cada um deles com estrutura, características e finalidades próprias. Entre os principais enunciados orais iorubás estão incluídos: adura – rezas; iba - saudações; orin – cantigas e oriki - evocações.

A palavra oriki é composta de ori e ki. Ori é origem e ki, saudar ou louvar. Assim, oriki significa louvar ou saudar o Ori ou a origem daquele a quem se refere. Os oriki evocam qualidades essenciais dos seres. Sendo as palavras condutoras da força vital, os oriki servem de veículo do axé. Quando dirigidos a uma pessoa relatam suas características e seus feitos tendo, pois, valor documental. Quando entoados aos Orixás citam suas qualidades e realizações, narrando episódios em que bênçãos e ajuda foram obtidos. Servem simultaneamente para louvar e buscar auxílio junto a essas divindades.

Muitas vezes os oriki são acompanhados do som de tambores falantes - bata, bembe, gangan, ogidigbo, igbin, gbedu etc. Convém que façamos uma breve referência a esses tambores. A seu respeito, diz J. Ki-Zerbo (1982, p. 30):


veículos da história falada, esses instrumentos são venerados e sagrados. Com efeito, incorporam-se ao artista, e seu lugar é tão importante na mensagem que, graças às línguas tonais, a música torna-se diretamente inteligível, transformando-se o instrumento na voz do artista sem que este tenha necessidade de articular uma só palavra. O tríplice ritmo, tonal, de intensidade e de duração, faz-se então, música significante ... Na verdade, a música encontra-se de tal modo integrada à tradição que algumas narrativas somente podem ser transmitidas sob a forma cantada.


Entoados com finalidade religiosa ou não, acompanhados ou não por tambores falantes, no momento de serem entoados, os oriki são sempre ouvidos com respeito e concentração das pessoas presentes. Possuem grande relevância cultural por apresentarem o modo de lidar com cada ser ou linhagem, revelando qualidades da força vital daquele ou daquilo que evocam e saúdam.



Referências Bibliográficas 

hampate BÂ, a. A Tradição Viva. História Geral da África. São Paulo, Ática /Paris, UNESCO, 1982.

KI-ZERBO, J. Lugar da História na Sociedade Africana. História Geral da África. São Paulo, Ática/ Paris, UNESCO, 1982.

RIBEIRO, R.I. Alma Africana no Brasil. Os Iorubás. São Paulo: Oduduwa, 1996.

 
 
 

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